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"Em Moçambique aprendemos a valorizar aquilo que parecia garantido", Mafalda Cruz sobre o estágio na Bluepharma

Este post resulta da conversa entre duas estagiárias de ciências farmacêuticas que realizaram o estágio do inov contacto na Bluepharmade, em edições diferentes.
"Em Moçambique  aprendemos a valorizar aquilo que parecia garantido", Mafalda Cruz sobre o estágio na Bluepharma

Joana Sousa | Ed. 24 | 2020| Bluepharma Indústria Farmacêutica, S.A. | Maputo, Moçambique

O inov contacto desafiou alguns estagiários da 24ª edição a realizarem uma entrevista a um antigo estagiário do programa que tenha estagiado na mesma Entidade de Acolhimento, numa edição anterior. Nesse sentido, decidi conversar com a Mafalda Cruz, C23, que realizou o estágio na Bluepharma Indústria Farmacêutica na cidade de Maputo, estando agora a trabalhar na 2Logical, uma Consultora Farmacêutica Portuguesa.

Mafalda, vamos conversar acerca do teu percurso, durante e depois do inov contacto. Comecemos por Maputo. Quais foram os teus principais desafios durante os tempos de adaptação à cidade?

Inicialmente houve um choque gigantesco, o ar pesado, ora pelo pó, ora pelo fumo proveniente das queimadas das lixeiras ao ar livre, a ausência de estores, os passeios tortuosos, o calor e o barulho dos automóveis. Para além disso, em Maputo quase toda a gente se conhece e acabamos por nos cruzar com as mesmas pessoas frequentemente, o que fez com que sentisse a minha liberdade restringida. Foi difícil acostumar-me ao facto de andar na rua a olhar para o chão para não cair em buracos mas, se pensarmos na  grandeza de Moçambique, vemos que vale a pena procedermos a esses ajustes. Abrandamos e aprendemos a valorizar o que não estávamos habituados a valorizar.

Viveste e trabalhaste na maior cidade de Moçambique. Que surpresas te revelou a Cidade das Acácias?

A intensidade do povo, a comunicação fácil e constante, a sua natureza alegre. É como se nos envolvesse de tal maneira que nos transforma. É impossível ir à rua sem comunicar com alguém, não havia um dia em que eu não falasse com uma pessoa nova. Depois, há o lanho (água de coco) que se vende em cada esquina, assim como a melhor castanha de caju. Existem os mercados de rua, as roupas em segunda mão, o artesanato, os artistas e costureiros, pessoas provenientes de todo o país que tornam esta cidade uma bela amostra de cada província de Moçambique. Confesso que me surpreendi por a cidade ser bastante evoluída e organizada e, ao mesmo tempo, cheia de tradições e costumes.

Moçambique foi uma colónia portuguesa que se tornou independente a 25 de junho de 1975. Quais os vestígios e marcas desse passado não muito longínquo?

Podem encontram-se na arquitetura de muitos edifícios de Maputo que, devo notar, são considerados dos mais belos projetos criados por arquitetos portugueses, como por exemplo a Estação de Caminhos de Ferro de Maputo. Estes vestígios fazem-se notar também no povo, na sua postura pronta a ajudar.

Matapa, nhangana, xiguinha e badjias fazem parte das delícias moçambicanas. Como caracterizas a gastronomia deste país?

A prova de que com pouco se faz muito. Aproveitam cada ingrediente e criam pratos variados e consistentes. Uma clara consequência da pobreza e escassez de bens existentes no país. No entanto, Moçambique tem um potencial agrícola gigante, com uma grande variedade de árvores de fruto e o famoso marisco, no que respeita aos setores da agricultura e pesca. É uma cozinha muito característica, rica e única, que relata a história do país pelo paladar. Do caril aos bolos fritos que se vendem na rua. Toda a gente tem de provar a gastronomia moçambicana.

Como descreves o teu estágio na Bluepharma?

Foi um estágio bastante variado, flexível e autónomo. Adorei a equipa e o apoio a todos os níveis. Fui extremamente bem recebida e aprendi muito com a Bluepharma e o modus operandi do mercado farmacêutico moçambicano. Foi uma experiência gratificante, pelas pessoas que conheci e pelo trabalho que desenvolvi durante o estágio, de Coimbra a Maputo. Recebi muito e espero ter deixado o meu contributo.

Sendo um país em desenvolvimento, uma das maiores dificuldades na área da saúde é o acesso da população aos medicamentos. Quais as principais diferenças entre o mercado farmacêutico português e o moçambicano?

O mercado farmacêutico moçambicano é liderado por medicamentos genéricos e a principal diferença começa no controlo pouco apertado e nos preços elevados dos medicamentos, o que dificulta o seu acesso a uma das populações mais pobres do mundo. Consequentemente, as pessoas acabam por escolher produtos indianos que não são, na sua maioria, controlados pelas autoridades e, portanto, apresentam baixa fiabilidade. Isto é reforçado pelo facto de as pessoas muitas vezes não cumprirem a posologia recomendada por falta de capacidade para comprar a totalidade da terapêutica. Nas farmácias há muitas vezes falta de produtos por quebra de stocks no importador devido aos processos burocráticos em torno da importação. Verifica-se, por último, muita carência de conhecimentos científicos e falta de formação na área farmacêutica.

De que modo esta experiência internacional se revelou importante para o teu percurso profissional e crescimento pessoal?

Acima de tudo foi uma experiência que jamais esquecerei e todas as experiências são conhecimento. Viver em Moçambique foi intenso, um reavaliar de valores, um redescobrir quem sou e definir o que quero para mim. Permitiu-me estar onde estou hoje, tanto a nível pessoal como profissional. As pessoas que conheci e que permanecem comigo, a certeza do que tenho de trabalhar em mim para ser melhor pessoa, o abrir de horizontes, o ser mais consciente hoje, tudo isso devo a Moçambique.

Mafalda, para finalizar gostaria que em três palavras deixasses o teu conselho aos futuros estagiários do inov contacto para desfrutarem desta aventura da melhor forma possível.

Interessa-te pelo povo!  (ou… “deixa-te levar”).

Obrigada, Mafalda

Foto: imagem de Mafalda Cruz