Em Maputo, o convívio numa associação cultural onde estrangeiros e moçambicanos se encontram, é uma das melhores formas de integração na realidade local

Patrícia Dias | Ed. 23 | 2019 | Recheio Cash & Carry | Maputo, Moçambique
Maputo, Moçambique foi o destino que me tocou em sorte para estagiar pelo inov contacto. Não consigo descrever a sensação que tive no momento de saber onde iria estagiar; sempre que a recordo sinto um frio no estômago, um frémito de antecipação. Receber esta notícia provocou uma mistura de sentimentos: entusiasmo, euforia, ansiedade e preocupação. Ia passar os seis meses seguintes em África! Na verdade, este destino estava no meu ‘top 10’ de preferências. Felizmente, concretizou-se.
Não conhecia África a não ser de férias no Magrebe, Tunísia. Ouvira relatos de vários amigos moçambicanos e portugueses sobre Maputo, que me transmitiram a sua perspetiva sobre a cidade e o país. Não pesquisei muito. Queria chegar ao destino e tirar as minhas ilações, formar a minha opinião. Tive apenas em conta os alertas sobre a realidade cultural e perigos iminentes, de modo a ‘sobreviver’ os primeiros dias.
Uma vez chegada, sem qualquer expectativa, deparei-me com uma cidade que me lembrava Lisboa / Portugal pelas construções, a proximidade com um rio, a organização da cidade e a língua falada - é muito engraçada a sensação de nos sentirmos em casa, a milhares de quilómetros da nossa casa originária.
Existiu, sim, um choque cultural, uma necessidade de me adaptar a uma nova realidade, muito diferente daquela a que estava acostumada, quer pela falta de caixotes do lixo e, consequentemente, a impressionante acumulação de lixo pela cidade, quer pelo trânsito caótico e a condução muito pouco defensiva, a que se juntavam as crateras (gigantes) nas estradas, quer ainda pelas situações de pobreza extrema com que nos deparamos diariamente.
A desorganização acabou por se revelar divertida pela dinâmica que se gerou na cidade. Todos eram comerciantes, artistas, fabricantes de artesanato, vendedores de tudo e mais alguma coisa nos semáforos, nas ruas, nas barracas que vendem comida e bebida e que proporcionam locais de convívio diário, nas paragens de autocarro e nos canteiros e esquinas que servem de paragem para os chapas (carrinhas de transporte da população). Na rua, os passeios estão repletos de ‘montras’ com sapatos, roupa, malas em segunda mão, onde tudo se encontra e se negoceia com jeitinho.
Também a comunicação é adaptada, pois temos formas diferentes de o fazer, quanto à assertividade que usamos, à maneira de falar, pelo diferente significado das palavras, já que, apesar de todos falarmos português, em tantas situações somos indivíduos “separado pela mesma língua”. Esta é uma ferramenta crucial para uma boa integração num ambiente que ainda nos é desconhecido. Contudo, nada melhor do que o convívio numa das associações culturais onde estrangeiros e moçambicanos se costumam encontrar para ajudar a compreender melhor esta questão da comunicação. Tanto a cultura portuguesa como a moçambicana são dadas ao convívio, à facilidade em conhecer pessoas. Todos os encontros são oportunidades para a aprendizagem e descoberta da cultura deste país.
A nível profissional, a integração numa nova empresa exige alguma flexibilidade, tanto por parte de quem já lá se encontra, como por parte de quem chega: são novos processos e métodos de trabalho, novas equipas e colegas, novas dinâmicas. Em Moçambique temos de aprender a lidar com falhas de internet ou no sistema interno. É necessário passar por um rápido processo de aprendizagem, desafiante e enriquecedor ao mesmo tempo.
Também pode acontecer ficarmos sem água no prédio, sem eletricidade na cidade, sem rede e sem internet no telemóvel. Se incomoda? Incomoda. Os primeiros trinta minutos, nas primeiras vezes que acontece. Depois aprendemos a contornar, a dominar a frustração, a fazer de outra maneira, a ser precavidos, a utilizar os garrafões vazios há em todas as casas, cuja utilidade não percebia, mas que agora, também para mim fazem todo o sentido e marcam igualmente presença na minha casa.
Aprendemos a valorizar o que realmente importa, uma vez que o que nos é essencial é relativo e muda de uma forma muito volátil. As prioridades alteram-se e a perceção de ‘necessidade’ é adaptada à realidade em que nos encontramos.
Esta é, sem dúvida, uma aprendizagem pessoal muito importante que irá ficar comigo para sempre. Obrigada inov contacto, Khanimambo Moçambique (Obrigada em Changana) esta será seguramente, uma das maiores e melhores experiências da minha vida!