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Há, sem dúvida, um antes e depois do INOV. A experiência de um Contacto na China

"Encarar a experiência Contacto com toda a abertura de espírito para o que nos rodeia, aproveitando uma oportunidade única de ganhar valências que de outra forma seria impossível obter." é o conselho do inov contacto C14 Bruno Caetano, em entrevista ao C22 Jorge Ferreira.
Há, sem dúvida, um antes e depois do INOV. A experiência de um Contacto na China

Jorge Ferreira | C22 | Aptoide |Shenzhen, China

Antes de mais, começo por explicar que a entrevista que se segue é parte de um projeto realizado no âmbito do Programa inov contacto. Este projeto, com o tema - Contactos pelo mundo, pretende convidar antigos estagiários, que continuam no país onde foram colocados, a darem o seu testemunho relativamente à experiência que viveram, e ao seu percurso desde então.

Nesse sentido, o meu nome é Jorge Ferreira, sou Contacto C22 em Shenzhen, China, e vou conversar com o Bruno Caetano. De referir que o Bruno foi C14, também em Shenzhen, e nesta mesma cidade se mantém em atividade há mais de oito anos. Para além da larga experiência apresentada no mercado chinês, o Bruno já desempenhou algumas atividades, algumas delas também em Portugal. Tal como eu, o seu background é na área de gestão, e encontra-se de momento a desempenhar funções de Business Development Director APAC OEM na NDrive Navigation Systems.

JF: Bruno, primeiro que tudo obrigado pela tua disponibilidade para contribuíres para este projeto. Gostava de começar por te fazer uma pergunta um pouco clichê, mas que certamente levantará pontos importantes: Porquê participar no programa inov contacto?

BC: Sempre quis ter uma experiência profissional fora de Portugal depois de já ter estudado fora e o programa foi a melhor forma de o fazer num contexto que me permitia estar ligado a Portugal e, quiçá no futuro, devolver o investimento que o país também fez em mim.

JF: Tinhas algumas preferências relativamente ao local e à função a desempenhar? Como encaraste o desafio depois de desvendarem os locais e as empresas?

BC: Sim, estar ligado a uma área de desenvolvimento de negócio e ir para um mercado diferente do Europeu. Com muita determinação e ambição, queria, de facto, aproveitar a oportunidade para sair da minha zona de conforto, ganhar novas competências e olhar para o mundo de uma forma global, o que é impossível estando apenas em Portugal.

JF: Quais foram as maiores dificuldades, tanto na chegada à China, como na adaptação durante os primeiros tempos?

BC: Várias - língua, cultura, alojamento, resolução diária de problemas. Por trabalhar com diversos países para os quais a empresa exporta, considero a China um dos mais complicados para viver e trabalhar, sem dúvida.

JF: Apesar de já teres uma experiência profissional prévia, de que forma esta componente internacional se revelou importante para o teu percurso?

BC: É um complemento brutal, há sem duvida um antes e depois. As competências que tinha eram interessantes na fase de carreira onde estava mas, esta experiência internacional elevou-as para um nível completamente diferente - a visão do mercado global, da forma como as diferentes economias e agentes se podem encaixar é fantástica. E ganhei muitos conhecimentos sobre o papel da China na economia mundial.

JF: Numa perspetiva um pouco mais pessoal, em que medida esta oportunidade ditou, ou não, uma mudança, na tua forma de percecionar o mundo e na tua evolução pessoal?

BC: Pessoalmente a mudança foi tão intensa como a nível profissional. Essa abertura de perspetivas foi uma ótima consequência do programa, e hoje considero-me verdadeiramente um cidadão do mundo, com capacidade de me relacionar com qualquer pessoa de qualquer parte do globo. Entendo, em boa medida, o background dessa pessoa.

JF: Tivemos o privilégio de sermos selecionados para um país com uma evolução avassaladora e características únicas. A teu ver, quais as áreas/aspetos que mais beneficiam dessa evolução, e quais as vertentes em que ainda se nota um atraso face ao paradigma europeu/ocidental?

BC: A China é um exemplo de macro gestão e visão de futuro dos seus órgãos de gestão, ainda que possam ser feitas várias criticas aos custos para a sustentabilidade ambiental e às desigualdades socio económicas existentes entre vários estratos da sociedade Chinesa, nomeadamente na dicotomia urbe/interior. O modelo adotado funciona e é provavelmente o único passível de ser aplicado num país com as suas características.

JF: A infraestrutura criada não tem, provavelmente, paralelo com qualquer outra economia. Existe algum desequilíbrio no acesso ao lifestyle ocidental e na procura desenfreada do mesmo, o que configura uma oportunidade interessantíssima num país com um mercado interno esmagador.

BC: Dentro de uma economia em grande crescimento, é notável que Shenzhen é das cidades com maior evolução nas últimas décadas. Imagino que tu próprio já tenhas testemunhado imensa mudança e vivido das mais diversas experiências neste meio.

JF: Nesse sentido, quais as maiores vantagens e desvantagens de viver e trabalhar nesta cidade em constante mudança?

BC: Oportunidades de mercado/negócio, dinamismo para criar, infraestrutura. Por outro lado, a qualidade de vida (que compreende aspetos como cultura, entretenimento, qualidade dos serviços, etc.) é relativamente baixa.

JF: Para além de um país em constante mudança, a China é também um país totalmente diferente de Portugal. Para ti quais as maiores diferenças entre fazer negócios na China e em Portugal?

BC: Os fatores de decisão num processo a negociar na China são muito mais variáveis e dependem muito menos da relação entre necessidade e oferta. O relacionamento na China é muito mais importante do que em Portugal e faz toda a diferença nesse processo negocial. O turn around time de um investimento num determinado cliente é também muito maior. É difícil pensar em fazer negócio na China numa orientação de curto prazo, tudo leva bastante tempo e é complexo. Os processos são bastante burocráticos e complexos.

JF: Um pouco na linha de pensamento da questão anterior, e pegando na tua experiência em ambos os países, consegues indicar as principais vertentes em que Portugal podia aprender com a China e vice-versa?

BC: China - Portugal: Planear a longo prazo com investimento sustentável, mas direcionado, algo a que Portugal e os empreendedores Portugueses são alérgicos. Assumir riscos medidos é fundamental. A China tem-se posicionado bastante bem nos mercados internacionais desde o princípio do desenvolvimento da sua economia, muito graças, obviamente, a investimento estatal assente nos planos quinquenais. A forma como esses planos são organizados são um exemplo de gestão e boa visão, que Portugal deveria tentar replicar (investimento público direcionado a dinamizar as valências do País). Portugal - China: Os chineses deviam aprender a serem flexíveis e a improvisar, algo tão natural em nós, como pensar fora da caixa. Mas isso é algo cultural e que decorre do modelo económico e da própria educação.

JF: Quase em nota final, pedia-te que entrasses no campo da tua imaginação e partilhasses connosco qual a tua visão a longo prazo, tanto para a China no geral,como somente para Shenzhen.

BC: Acho que a China vai continuar a expansão global de entrada em vários mercados e empresas globais, ocupando lugares chave na economia de vários países. A febre pelo procura de know-how vai intensificar-se com a compra de mais empresas tecnológicas e o recrutamento de especialistas em várias áreas, bem como de profissionais que sejam mais valias para a economia.

No caso de Shenzhen, prevejo que, pouco a pouco, deixe de ser a copy cat de eletrónicos do mundo, e se assuma como um centro de inovação e especialização no desenvolvimento de eletrónicos com uma forte componente de desenvolvimento de software, e serviços também. Isso decorrerá do facto de os custos continuarem a aumentar de uma forma geral, e de existir a necessidade de especialização e diferenciação pela qualidade e inovação.

JF: Bruno, novamente, quero agradecer a tua disponibilidade e este testemunho extremamente valioso. Finalmente, deixo-te a palavra para te dirigires a todos os futuros Contactos, e deixares o conselho que consideres mais relevante para desfrutarem desta aventura da melhor forma.

BC: Encarar a experiência Contacto com toda a abertura de espírito para o que nos rodeia, aproveitando uma oportunidade única de ganhar valências que de outra forma seria impossível obter. Olhar para os mercados de destino como uma grande oportunidade, estando atentos às dinâmicas e tendo sempre um espírito empreendedor em prol da empresa que representamos e até de nós próprios, sempre idealizando que somos embaixadores de Portugal no Mundo e que o País tem muito a ganhar com a nossa experiência.