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"Hoje em dia as renováveis têm sentido de todos os pontos de vista, financeiro, ambiental e social" refere Juan Gari, CEO da ALCAAL Renovables, ao José Ventura, C23

José Ventura, inov contacto C23, entrevistou Juan Gari, CEO da ALCAAL Renovables, entidade parceira do programa.
"Hoje em dia as renováveis têm sentido de todos os pontos de vista, financeiro, ambiental e social" refere Juan Gari, CEO da ALCAAL Renovables, ao José Ventura, C23
Juan Gari | Managing Director | Alcaal Renovables | Buenos Aires, Argentina

Juan Gari, é licenciado em Engenharia Aeronáutica e mestre em Métodos Computacionais Avançados para a Aeronáutica. Argentina, Inglaterra, Escócia, Noruega e Uruguai são parte do seu percurso pessoal e profissional. Começou a sua carreira na Gamesa, empresa do setor eólico, passando depois pela SIMEC Atlantis e pela Aker Solutions, empresas do setor maremotriz e Oil & Gas respetivamente. Chegou à ALCAAL Renovables em 2017, empresa da qual é CEO, com a missão de definir uma estratégia nacional e internacional no mercado das energias renováveis. A ALCAAL Renovables é uma empresa investidora e empreendedora de projetos de energia eólica e solar na África e América Latina, com especial foco na Argentina.

O que o fez querer mudar o seu percurso profissional e ir para o mercado das energias renováveis?

Sempre tive um interesse especial no setor energético, desde estudante. Em Inglaterra estudei engenharia aeronáutica que era algo que me atraía bastante, e mais tarde surgiu a oportunidade de, através desses conhecimentos fazer estudos para a Gamesa (fabricante de aerogeneradores eólicos), sendo esse o primeiro contacto que tive com as energias renováveis e que me cativou bastante. Mais tarde passei para a SIMEC Atlantis, que era uma startup, a desenvolver tecnologia de aproveitamento da energia das marés. Foi essa experiência offshore(oceanos e mares), que acabou por me levar ao mundo do Oil & Gas. É um mundo fascinante, pelos desafios técnicos e ambientais, e foi o mundo do Oil & Gas que me levou a entender a importância de diminuir a pegada das nossas atividades ao mínimo possível.

O que mais o motiva em trabalhar no ramo das renováveis?

O facto de as energias renováveis, eólica ou solar, já terem entrado num ponto de maturidade que as torna eficientes do ponto de vista de custos, tornando-as competitivas no mercado energético. Quando comecei a trabalhar com renováveis, este era ainda um setor muito subsidiado e embora sentisse que estava a fazer algo muito positivo pelo mundo e pelas gerações futuras, sentia também que eram tecnologias caras e que embora existissem projeções de que os custos baixariam, nesse momento eram altos em comparação com as demais tecnologias de produção de energia. Hoje em dia as renováveis têm sentido de todos os pontos de vista, financeiro, ambiental e social, e por isso recebem muito apoio da imprensa e da sociedade em geral. Neste momento movemo-nos nesse sentido, já não há incerteza do que acontecerá no que toca às energias renováveis.

Pensa que as energias renováveis vão substituir a 100% os combustíveis fósseis?

Não acredito que na minha vida venha a assistir a isso. Quando comecei a trabalhar na indústria do Oil & Gas havia gente que afirmava que em 2040 seria o ponto limite das reservas de petróleo e hoje posso dizer com certeza que ainda há reservas muito grandes. “Stone Age não terminou por falta de stones”, mas sim porque se desenvolveram outras tecnologias que superaram essa era. As projeções dizem que as energias renováveis vão ganhar cada vez mais terreno no que é o mix energético. É uma realidade que a demanda energética no mundo continua a crescer, e existe um desafio muito importante, que é poder encontrar um mix de diferentes soluções que nos permitam ter um impacto aceitável sobre o ambiente e sobre os recursos naturais.

As alterações climáticas são já uma realidade e afetam diretamente a vida diária de muita gente. Há informação suficiente?

Sim, na minha opinião há muita informação sobre as alterações climáticas, mas também há diversas opiniões quanto às causas destas alterações, se são processos naturais ou se se devem ao impacto da atividade humana. Eu acredito que é uma combinação dos dois, há fatores que não controlamos como os ciclos do sol por exemplo. Mas sim, o impacto das nossas atividades na camada de ozono é clara, e são sobretudo as pessoas que vivem nos lugares onde mais se sentem essas consequências que estão mais conscientes disso. As pessoas têm consciência mas ainda não se estão a tomar todas as medidas que se podiam tomar. O acordo de Paris é um bom exemplo em que cada país se comprometeu a ter um balanço de emissões dentro de certos parâmetros. Alguns países conseguem-no instalando mais tecnologias de produção limpa, outros reflorestando. Há diferentes componentes que afetam o cálculo e estão a tomar-se medidas. Nos países da América Latina, posso dizer, com certeza que estão a ser tomadas medidas.

Qual a missão da ALCAAL e de que forma está a contribuir para a mudança deste paradigma?

O grupo ALCAAL tem o seu foco tradicional no comércio exterior e no agronegócio. A ALCAAL Renovables surgiu da vontade de diversificar a atuação do grupo e de ter atitudes responsáveis e de compromisso em direção a uma matriz energética mais limpa. Começámos com o desenvolvimento de projetos de energia eólica e agora estamos apostando também no desenvolvimento de projetos de energia solar. Motiva-nos o facto de sentirmos que estamos a contribuir positivamente neste processo de transição energética. Além disso, escolhemos lugares para desenvolver os nossos projetos não somente do ponto de vista do recurso energético existente, mas também do ponto de vista social, para que a produção esteja perto do consumidor e não exista necessidade de investimentos extraordinários no transporte de energia.

A Argentina é um país com um recurso energético renovável bastante elevado e diversificado, seja eólico, solar, biomassa ou hidroelétrico mas que, no entanto, ainda tem uma pequena percentagem de renováveis no seu mix energético. De que forma é que esse paradigma está a mudar?

De forma geral existe uma consciencialização na Argentina de que este é um bom momento para fazer a mudança. Eu digo sempre que a Argentina teve uma desgraça com sorte. Uma desgraça porque quando outros países desenvolveram e apostaram muito nas renováveis, a Argentina não tinha condições politicas e económicas para o fazer. No entanto tem a sorte de hoje em dia a tecnologia e os custos serem muito mais competitivos do que há 10 anos. Neste momento já não é uma questão de ter sentido do ponto de vista ambiental, mas sim ter também sentido do ponto de vista económico, o que ajuda a que esta mudança se possa fazer à velocidade que hoje se vê. Há 3 anos a Argentina tinha 1% de renováveis na sua matriz elétrica, hoje tem 8% e objetiva os 30% em 2030. Hoje, há um compromisso muito forte, e um reconhecimento da sociedade e de todos os setores políticos de que este setor é competitivo.

A ALCAAL Renovables é uma empresa que trabalha no mercado internacional. Portugal e as suas empresas do setor das renováveis podem ser parceiros importantes no mercado Argentino?

Sim, sem dúvida! Há mercados como Portugal que investiram e se desenvolveram cedo e por isso têm bastante know-how e experiência na operação, no desenvolvimento e construção de projetos de renováveis. Há empresas portuguesas que são dos players mais fortes a nível mundial, e têm nestes mercados que agora avançam, como a Argentina, grandes oportunidades de negócio. Na ALCAAL Renovables estamos também, através do nosso vínculo com Portugal, a fomentar a participação dessas empresas no mercado argentino. Queremos que conheçam o mercado, que entendam como funciona e que potencialmente possam vir e trabalhar aqui tal como nós o fazemos. Nos próximos 5 anos instalar-se-ão mais de 7000 MW de renováveis e, nesse sentido, acreditamos que as empresas Portuguesas têm grandes oportunidades na Argentina e que é possível avançar.

Os jovens de todo o mundo estão, cada vez mais, a demonstrar as suas ideias e a manifestar-se contra a falta de políticas ambientais. Acredita que a participação dos jovens tem peso?

Efetivamente os jovens são o futuro e é importante que desde cedo sintam a necessidade de tomar decisões responsáveis para que a humanidade possa continuar. Soa um pouco clichê, mas é a verdade! Penso que estes movimentos, têm gerado uma consciência dentro dos partidos políticos tradicionais em todo o mundo, de que estes movimentos ecológicos vão ter um papel cada vez mais importante dentro da política e das decisões que se tomem a nível internacional, e não só nos países que estão mais desenvolvidos. Os partidos ecologistas, ou verdes, não são novos, mas nunca tiveram muita influência nem muito peso mas há uma maior valorização ao nível social de politicas ambientalmente responsáveis. Na América Latina ainda há muito que fazer no que toca ao tratamento e classificação de resíduos, reciclagem e outros temas, sobre os quais nos últimos anos se tem ganho uma consciência maior, como é o caso do plástico e do seu impacto nos oceanos. Também o avanço das tecnologias permite hoje que se documente e publique informação, o que todos deveriam saber, nas redes sociais, por exemplo, e que tradicionalmente só chegava às pessoas através da imprensa.

Se fosse o Presidente da ONU por uma semana, com o apoio de todos os seus membros, o que faria para alterar o rumo das alterações climáticas?

Não acredito que exista uma só solução, nem que se possa fazê-lo numa semana. Mas acredito que se trata de trabalhar em equipa. A parte da pergunta que mais me surpreende, e que obviamente é hipotética, é o facto de ter o apoio de todas as nações, isso seria algo fantástico de conseguir. Se pudesse aconselhar os líderes mundiais, falar-lhes-ia da importância de se alinharem, porque se uns países se direcionam para um lado e os outros para outro lado não há sinergias. Seria bastante positivo ter o apoio total no que toca a políticas de consciencialização nacional. Por vezes os partidos políticos votam não somente seguindo aquilo em que acreditam, mas também seguindo estratégias políticas de oposição partidária. A Argentina presenciou em 2015 um exemplo de que é essencial existir consenso, obtendo 100% de aprovação por parte da Câmara de Deputados na votação de uma lei direcionada às energias renováveis. Foi um caso sem precedentes! Mas, voltando à pergunta, conseguir o alinhamento de todas as nações, com políticas claras e estratégias bem definidas é muito importante, e é sobre isso que penso que se deveria trabalhar. O Acordo de Paris é um princípio, e existiram outros acordos antes, mas vamos cada vez mais avançando numa direção comum. Tudo começa por uma reunião, e de repente consegue-se algo histórico! Consegue-se que todos se alinhem. Ainda assim, penso que já se estão a fazer muitas coisas, e mais, que se estão a ver os resultados positivos desse trabalho.