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Timor foi para a Marta Pinto Leite, C23, a terra de ultrapassar os medos

Timor foi para a Marta Pinto Leite, C23, a terra de ultrapassar os medos

A Marta Pinto Leite foi C23 e estagiou na Central Sociedade Comercial SA, em Díli, Timor-Leste.

Neste artigo, refere a importância do estágio INOV Contacto no fortalecimento de algumas competências como a auto confiança, descontração e paciência. Conta ainda que aprendeu a relativizar, a aproximar-se de outra cultura e a valorizar momentos e oportunidades que, aparentemente, não eram os mais entusiasmantes:

"Sou uma pessoa cheia de pequenos medos. Medo da vida, mas de a viver, nunca! Assim, atiro-me de cabeça e vou na linha da frente. Mas, no dia a dia, muitas vezes deparo-me com medos. Ou seja, inscrever-me no Inov Contacto era viver a vida, por isso, inscrevi-me sem medos. Como a vida dá muitas voltas e desafia-nos a cada segundo, o meu destino foi Timor-Leste, o sítio a que eu chamo: A terra de ultrapassar os medos.

Ainda em Lisboa começou o primeiro desafio. Tenho pânico de agulhas e tive de levar algumas vacinas para cá chegar. O que tem de ser tem muita força, como se diz e correu tudo bem, muito melhor do que esperava. Foi aqui que comecei a perceber que podia ser mais fácil do que pensava ultrapassar os meus medos e que a minha cabeça tinha mais controlo sobre mim do que deveria ter… então, com confiança, entrei no avião.

Já vinha preparada psicologicamente para o meu segundo medo: insetos. Mas, quando cheguei, percebi que, para além de muitos insetos, havia nas ruas centenas de cães vadios, outro dos meus grandes medos.

Tive a sorte de ser recebida por uma portuguesa com uma casa e quarto impecáveis, o que facilitou os meus primeiros dias. Ainda assim, as primeiras semanas foram passadas entre berros, sustos e pequenos ataques cardíacos, de cada vez que via alguma coisa ou algo me tocava. Com o tempo fui-me habituando à presença destes animais no meu dia a dia e hoje consigo lidar com eles como nunca pensei.

Mas não foram estes os únicos medos. Para quem não conhece Timor, a menos que tenha carro, o melhor meio de transporte é a mota. Escusado será dizer que tinha medo de guiar. Na verdade, tinha de guiar um carro em Portugal, agora imaginem-me de mota, na confusão de Díli, com a estrada ao contrário. Este medo foi o mais difícil de ultrapassar pois os outros tiveram de ser superados, não podia vir sem vacinas e não podia exigir viver sem insetos. Mas, podia fazer uma opção, podia escolher não ter a liberdade que queria e condicionar a minha experiência pelo medo de guiar. Resisti algumas semanas, já depois de ter a mota, pois nunca há a situação ideal para começar. Mas, aos poucos fui-me obrigando a andar por aí e é engraçado ver que comecei a tremer e com o coração muito acelerado e, hoje em dia, já vou descontraída em cima da mota e posso dizer que gosto. Como estes desafios tive muitos outros.

Em Timor nada corre como planeado e tudo demora a acontecer. Ter paciência e aprender a relativizar foram competências que tive de melhorar, eu e o grupo todo, só assim se “sobrevive” em Timor e, na verdade, só nos faz bem! Em reuniões com timorenses (para ver uma mota, uma casa, para assinar um contrato, etc.), chegarmos ao local e eles não aparecerem são situações recorrentes. Trocando alguma coisa do menu num restaurante é quase certo que não vem bem, chamar um táxi e esperar 45 minutos/1 hora, em vez dos 10 minutos que nos disseram, ou até mesmo ter de sair de casa 10 minutos mais cedo, por ser muito difícil atravessar a estrada  são só exemplos de situações que requerem, precisamente, muita paciência e capacidade de relativizar.

Mas, para além destas situações, há muitas outras, espetaculares, que fazem a maioria das pessoas apaixonar-se por Timor e esquecer tudo o resto. Para além das paisagens e praias incríveis, montanhas e bom tempo, é essencialmente o povo que nos desarma.

Aqui vive-se como antigamente, toda a gente diz bom dia e boa tarde e os sorrisos são constantes. Onde trabalho a maioria dos trabalhadores é timorense e posso dizer que isso é uma das melhores partes de estar nesta empresa. Ensinam-nos que apesar das dificuldades e da qualidade de vida ser muito inferior ao que estamos habituados, se pode sorrir todos os dias e viver o dia com animação. Ensinam-nos que, por muito pouco que se tenha, há sempre alguma coisa que se pode dar. E nem pensem em recusar alguma oferta! Ensinam-nos que o presente não tem culpa do passado e que é possível conviver em harmonia com todos os povos que em tempos nos trataram mal. Ensinam-nos ainda a maior lição de todas, que o essencial da vida é muito menos do que aquilo que pensamos, que a felicidade está nas pequenas coisas e nas pessoas que nos rodeiam. Isto são ensinamentos que levarei comigo e que valem mais do que qualquer experiência profissional de 6 meses.

Sempre fui da opinião de que as softs skills e a experiência muitas vezes valem bem mais que teoria e estudo. Sinto que em Timor não só vivi a parte profissional como, acima de tudo, trabalhei as minhas soft skills. Saio daqui uma pessoa mais desenrascada, mais corajosa, mais convicta e com mais vontade de conhecer o que o mundo tem para me mostrar.

Terminando com a parte profissional, partilho quais foram os meus desafios. Advieram principalmente da falta de tempo que a empresa tinha para se dedicar ao meu estágio.

Como millennial que sou, foi difícil sentir que não ia crescer e aprender tanto como queria e, acima de tudo, que não me estavam a dar oportunidade de contribuir com o que já tinha para dar. Ajustar expectativas foi necessário para não perder a motivação e começar a ser proativa. A partir daí, só tinha um caminho: observar os processos da empresa, propor cenários de melhoria e esperar que me fornecessem as ferramentas para os desenvolver.

Foi isso que fui fazendo e, ao longo do tempo, algumas propostas foram aceites, dando espaço para o meu crescimento e, quem sabe, para o da empresa".