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Estagiar na Bulgária foi uma surpresa fora da caixa

Neste artigo o João Anjos, designer, fala-nos do estágio inov contacto na Bulgária em 2019 e como aprendeu a gostar do país e do seu povo e cultura.
Estagiar na Bulgária foi uma surpresa fora da caixa

João Anjos | Ed. 23 | 2019 | Trixir AD | Sófia, Bulgária

"Life always begins with one step outside of your comfort zone.” - Shannon L. Alder

Esta é uma expressão que se tem tornado cada vez mais determinante na minha vida e na minha rotina e que se elevou ao ponto de se tornar um mote ou lema de vida. Mas, o que foi preciso para que eu a considerasse, para que entendesse o que significa? Foi necessário ver, de um segundo para o outro, a minha vida fora da caixa quando ouvi as palavras “vais para a Bulgária estagiar durante seis meses".

Ainda me lembro como do que senti, como me sentei na cadeira ao saber, como me precipitei para pesquisar onde ficava a Bulgária. E é interessante ver como a nossa cabeça começa imediatamente a encher-se de ideias feitas e de preconceitos. Preconceitos que se formam precisamente dentro da nossa zona de conforto, pois não conhecemos verdadeiramente o mundo que nos rodeia, já que vemos tudo "de dentro para fora".

Passadas duas semanas ali estava eu, na Bulgária, um país cuja cultura não conhecia e do qual ignorava os costumes, os ideais e, pior de tudo, o idioma. Duas semanas que tinham sido uma correria, que não me tinham permitido aprofundar conhecimentos sobre o país mas que haviam dado para interiorizar uma mão cheia de preconceitos; e por isso cheguei, mala na mão e seis meses à minha frente naquela que se preparava para ser a minha maior aventura até àquele dia.

Tudo parecia desafiante, até mesmo as coisas mais básicas. Falar com alguém já não era a experiência simples, banal e convencional de debitar palavras, passou a requerer raciocínio e reflexão, pois nem toda a gente possui a mesma bagagem linguística. Ir a um restaurante deixou de significar simplesmente comer uma refeição e passou a implicar saber o que é a cozinha búlgara, o que diz o menu e, depois desse esforço, transmitir ao empregado o que se pretende comer. No  caminho para o trabalho judo era novo - o bairro, os edifícios, as ruas, os passeios, as paisagens. Senti-me deslocado, um outsider. Passei a chegar ao trabalho e encontrar imensas pessoas, todas diferentes, de várias nacionalidades e com backgrounds diferentes. Isso deu-me a base de que precisava para começar a assentar, mas mesmo assim não era o suficiente.

Durante os primeiros tempos tive uma ideia predefinida da Bulgária. Pensei que eram pessoas fechadas, que ligam à família mas não a quem vem de fora e que falam pouco ou nada de inglês. Profissionalmente, sentia-me deslocado da minha área, numa empresa em que tudo corria de forma lógica, com mecanismos enraizados, mas que eu desconhecia completamente.

Entretanto, gradualmente, comecei a compreender que na Bulgária, e principalmente em Sófia, o passatempo favorito das pessoas não passa por conviver em bares ou em casa com os amigos, mas sim nos parques. A qualquer hora do dia, em qualquer parque da cidade, o barulho de fundo é risos de crianças e cervejas a tilintar ao som de “nazdrave” (a nossa “saúde” ao brindar). Só quando comecei a olhar para a Bulgária como uma cultura diferente da minha, que me apercebi que durante muito tempo eu tinha estado a olhar a partir de dentro da caixa. Embora eu tenha dado o passo para fora da minha zona de conforto e estivesse fora dela fisicamente, em termos de mentalidade eu ainda não estava.

Então  decidi fazer o reset. Apagar tudo o que eu tinha preconcebido, deixar de estar condicionado por ideias pré-formuladas e dar uma nova chance à aventura que estava a viver. Imediatamente comecei a conhecer pessoas magníficas, que não eram de todo fechadas e falavam extremamente bem inglês, davam dicas, levavam-me a almoçar e a jantar, comecei a ver sorrisos na cara de quem me atendia diariamente ao almoço  e então compreendi que durante todo aquele tempo quem tinha estado fechado era eu, não a Bulgária ou os búlgaros.

Também no trabalho a minha situação mudou: senti vontade de falar e expor as minha ideais, senti que era ouvido e que podia trazer uma visão diferente a cada tarefa que fazia. A língua é, afinal,, lindíssima, o tempo é agradável e os parques continuam maravilhosos. A rotina que outrora era casa-trabalho-casa, agora passa sempre por um parque, por um passeio, por uma cerveja ao ar livre, a beber a cultura de que disponho aqui.

Hoje em dia acordo a pensar que não podia ter melhor experiência. O que ao início começou por ser uma obrigação tornou-se algo único. A convicção de que me tinha sido destinado um país de que não iria gostar muito alterou-se completamente.

Vejo este estágio como algo essencial para o meu crescimento pessoal, mais até do que para o crescimento profissional. Só conseguimos abrir a mente se estivermos fora da nossa caixa.

Neste sentido, posso afirmar que um dos maiores desafios que encontrei foi o da armadilha de olhar um país, uma cidade e um povo a partir de dentro da caixa e com base em ideias feitas e preconcebidas. Desafio que ultrapassei ao compreender que era essencial viver o mundo fora da minha mente, fora do quadrado, ou seja, do meu quadro mental. Porque o mundo não existe na nossa mente, nós é que existimos nele!