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Direitos das mulheres em Timor Leste: a necessidade de aprender a usar a própria voz

A Carolina Silva é licenciada em Design de Comunicação e realizou o estágio do inov contacto em Timor. Neste post fala-nos da urgência da luta pelos direitos das mulheres naquele país.
Direitos das mulheres em Timor Leste: a necessidade de aprender a usar a própria voz

Carolina Silva | Ed. 22 | 2018 | Central Sociedade Comercial | Dili, Timor Leste

Enquanto atualmente, na nossa sociedade ocidental o “feminismo” tem vindo a ser um “chavão” recorrente em conversas e notícias pela sua controvérsia, noutras realidades é mais urgente do que nunca despertar comunidades para a necessidade de uma ação cada vez mais ativa em prol dos princípios básicos que este movimento ideológico defende na sua génese. Sou apologista de que, se não continuamos a proclamar fervorosamente os ideais feministas pelo que estes representam para a nossa evolução neste momento - visto que muitos consideram que o trabalho na sociedade ocidental já está concluído - pelo menos devemos advogar estes princípios de igualdade de género e promoção dos direitos das mulheres, colocando o foco em países onde claramente a “luta” apenas começou.

Quando cheguei a Timor Leste percebi a urgência desta necessidade. A urgência em falar. No seio de um país tão jovem e fragilizado pelos anos de opressão e violência sob a ocupação da Indonésia, muito vinculado a uma cultura patriarcal e conservadora, sente-se cada vez mais a necessidade de promover conversas abertas e pensamento crítico sobre alguns assuntos naturais e, essencialmente, a necessidade de lutar pela gradual mudança de alguns paradigmas sociais que põem em causa direitos fundamentais das mulheres, fortemente enraizados na cultura timorense. E por isso mesmo decidi debruçar-me sobre esta temática.

Timor está incluído na lista de países em desenvolvimento com maior taxa de gravidez na adolescência, taxa esta que tem vindo a aumentar na Ásia-Pacífico. Aqui, uma em quatro meninas é mãe antes dos 20 anos, fator que contribui para: a elevada mortalidade de recém nascidos (36,3 mortes/1.000 nascimentos), para o grande número de casamentos infantis, para a interrupção do seu percurso escolar e da sua infância. Para além disso, estas jovens tornam-se mais vulneráveis à violência e à pobreza, isto se já não estão inseridas num ciclo de perpétuos abusos e exclusão por parte das famílias.

Algumas ONG’s dedicam-se a prestar serviços de saúde reprodutiva, planeamento familiar e, principalmente, a promover a educação sexual de forma a capacitar jovens timorenses a tomar decisões conscientes. É o caso da Marie Stopes, associação australiana aqui presente desde 2006, a prestar auxílio em 12 dos 13 distritos de Timor, através de uma clínica especializada em Dili e de equipas que se deslocam às comunidades mais remotas onde este apoio é essencial, visto 70% da população timorense viver em contexto rural. Tem ainda uma linha telefónica para manter a proximidade aos jovens e suas necessidades urgentes e trabalha em parceria com o governo e com outros parceiros em projetos do mesmo âmbito. Tem procurado usar plataformas digitais para rapidamente propagar informação junto dos jovens, realizando vídeos que abordam temáticas como puberdade e menstruação, doenças sexualmente transmissíveis, assédio sexual e consentimento, etc. Esta última é especialmente relevante, pois representa um passo chave para uma mudança cultural.

Para muitas mulheres, que crescem em contextos de violência e negligência, há inequivocamente uma enorme confusão entre amor e abuso. Muitas vezes os inúmeros casos de violações e maus tratos não se tratam de coação ou ataque, mas sim de uma falsa conceção de amor, construída ao longo da infância através de inúmeros exemplos familiares e sociais, que deturpa a realidade do abuso em que vivem e as leva a aceitar estas condições como inerentes ao futuro com que sonham: casar e constituir família.

O eixo fundamental de organismos como este, de momento passa por dar voz a quem não tem voz, ou melhor, dar ferramentas para que estes indivíduos possam descobrir e usar a sua própria voz, sendo agentes de mudança.